As nossas
relações familiares eram pautadas no respeito.
O respeito
é algo pessoal, nasce com a criatura como uma herança adquirida. Pode ser
expresso por gestos, palavras e atitudes. Beijar as mãos dos pais, avós, tios,
padrinhos até dos irmãos mais velhos enquanto se pedem a bênção, é sinal de
respeito!
Uma
tradição que ficou esquecida!
Outra
expressão de respeito que ficou para trás é tirar o chapéu enquanto se
cumprimenta alguém. Hoje nem se usam chapéus.
O respeito
era de tal forma imposto, que não havia outro sentimento que o suplantasse. Era
o termo que melhor descrevia as ligações interpessoais entre cônjuges, pais e filhos, entre irmãos,
tios, avós, superiores... Todos deviam
respeito, principalmente as mulheres e as crianças.
Imagine, para
a mente de uma criança, que vê o mundo de baixo, na sua estatura. Ele (o
respeito) tem a mesma proporção física do adulto. Ela o olha (de baixo para cima) “vê” a dimensão do
respeito que o outro representa! A
estatura desse esse sujeito representa o distanciamento entre ela e o outro, o
tamanho do respeito...
Seria a
situação da criança que só convivesse entre adultos ou que fosse a menor entre
os familiares devendo consideração e respeito a todos.
Era o meu
caso... Eu devia obediência até ao Quincas, dois anos mais velho. Obediência
nesse caso equivale a respeito, palavra que abafa todos os outros sentimentos,
isto é, se sobrepõe a outros mais doces, mais verdadeiros e universais como o
amor!
O amor, que
é o sentimento maior que dá origem a tantas outras manifestações de empatia se
perde sob o peso do respeito. Assim sendo, todas as expressões que o
revelam como o carinho, a ternura, o afago, o beijo são por demais “leves” para
se valerem diante do respeito. São escondidas, inarticuladas, camufladas!
Amor? Só o
próprio! O mesmo que leva ao orgulho e à vaidade!
Para uma família
tradicionalmente machista, esta é a norma. Jamais se permitiram manifestações
que ultrapassassem as barreiras do respeito. Um outro sentimento também era
permitido, até aos homens, a devoção.
Toda essa
introdução sobre sentimentos é uma justificativa para o episódio que vou contar.
Como já
revelei em outros contos, sou a menor de uma irmandade de nove irmãos entre os
vivos.
Morávamos
na fazenda onde nasci e vivi meus
primeiros vinte anos. Enquanto criança convivi
com cinco irmãos, os outros três mais velhos já haviam saído de casa.
A família,
tradicionalmente católica, implantou o culto diário no lar com a reza do terço
todas as noites antes do último lanche.
Cada um
escolhia seu lugar de preferência onde se ajoelhar sempre em volta da mesa na
sala de jantar. Meus irmãos Rubens e Quincas tinham seus lugares bem na frente,
do lado da cômoda sobre a qual ficava o oratório com as imagens.
Para toda
criança, a contravenção é um prazer e não era diferente para os filhos desse tradicional casal de
mineiros. Como papai era o único que
permanecia de pé nessa hora, ficava fácil para ele manter o controle e garantir
o respeito pelo momento sagrado. Os dois pestinhas ainda achavam jeito
de ludibriar a vigilância e em vez de rezarem conversavam entre si usando a
fresta entre a cômoda e a parede como canal de comunicação. Eles curtiam a
conversinha até papai limpar a garganta a primeira vez, a segunda, na terceira,
papai saia do seu lugar e com a mão fechada dava um cocorote em um e depois no
outro. Ao terminar a reza os dois permaneciam ajoelhados rezando enquanto os
outros iam tomar um lanche para ir dormir.
Uma outra
passagem engraçada ocorreu também enquanto rezávamos o terço. Estávamos todos
contritos, cada qual com seu terço na mão, Ave Maria... Santa Maria...repetidas
vezes, quando papai de pé encostado na mesa, começa a movimentar a perna, estranhamente para alguém
fleumático como ele. Com moderação nos movimentos para não perturbar o momento
de devoção, foi com a mão até a curva da perna apertou algo que trouxe para
cima até as nádegas e ficou ali segurando até o final da oração. Estávamos por
entender aquela ação estranha do meu pai.
Quando a
oração terminou, estávamos todos
curiosos para saber o que havia acontecido. Papai então, chamou meu irmão para ajudá-lo a desenvencilhar do problema disse:
– Vem cá João, me ajuda aqui, com cuidado, se
não ele escapa!
Todo mundo
ficou intrigado com o que estava acontecendo... risinhos abafados!
O João
então obedecendo, enfiou a mão sem saber do que se tratava... Nesse momento
ouvimos um chiado e todos nós compreendemos o que se tratava! Era um ratinho
perdido que teve a desgraça de achar que a perna do meu pai era caminho para
suas investigações exploradoras.
Nem preciso
dizer o quanto rimos, abafadamente e com
respeito do acontecido!
Nenhum comentário:
Postar um comentário