A imagem que
tenho, enquanto criança, de meu pai, era de uma pessoa de idade. O fato de eu
ter sido a ultima de uma prole grande foi peremptório para que em minha mente
ressaltasse o conceito de uma pessoa bem idosa, sempre tratada com muito
respeito e cuidados para que não fosse contrariado de modo algum, até nos
mínimos detalhes. O que eu não sabia ainda, era que ele se resguardava porque
era doente, havia sofrido tuberculose. Isso deixava minha mãe e meus irmãos em
pé de alerta a qualquer manifestação de gripe ou resfriado. O tratamento pra
vida inteira, era seguido à risca. Mesmo assim teve várias recaídas. Por isso
era tratado com tanta deferência. Era muito nervoso e autoritário, qualquer
manifestação sua era uma ordem.
Ninguém se
assentava à mesa ou se servia antes dele; os melhores pedaços eram separados
para ele. Tomávamos as refeições em silêncio, porque se ele não comandasse a
conversa, ninguém mais tinha o direito de se manifestar a não ser para
responder às suas perguntas.
Era
obedecido, reverenciado, temido, mas...não conseguiu se fazer compreendido e amado por mim enquanto pequena. Não que fosse desprovido da
capacidade de um sentimento maior. Ele amava sua família, adorava a mamãe, mas
do seu jeito ranzinza e autoritário de ser, sem fazer demonstrações. Sim porque
com esse temperamento irascível, somado a uma severa educação, só podia surgir um
ser durão, travado na manifestação dos sentimentos... Demonstrações de afeto, de carinho eram
atitudes piegas. Raramente me lembro de assentar em seu colo, mas eu gostava
que ele descascasse uma fruta para mim, era a maneira como eu encontrava para
me aproximar dele. Era também o máximo que eu conseguia fazer. Precisava
observar se o sinal estava verde para avançar. Nesse aspecto foi assim a vida
toda. Quando ele estava de bom humor, o
máximo carinho que ele conseguia expressar era dizer: “minha filha que é
bilha!” acho que a palavra “bilha” era usada só pra fazer rima, mas eu ficava
feliz porque interpretava como carinho, ou bom humor.
Passava
muito bem a imagem forte de quem protege, provê, administra, e comanda. Às
vezes, enquanto calmo, usava a didática do convencimento, pedia opinião, mas só
para ver o pensamento do outro. Já tinha a sua formada, e isto bastava. Não
admitia réplica, a sua opinião era a que prevalecia. A única pessoa que
raramente ouvia e acatava fora mamãe, era meu irmão João. Esse era diplomata!
Sabia levar a “fera” com jeito. Conversa vai, conversa vem, quantas vezes vi
papai ceder depois de muito rodeio, como se tivesse apurando o pensamento, numa
discussão acadêmica. Meu cunhado Julhinho também tinha um relacionamento,
digamos amigável com ele. Fora essas ocasiões, a imposição era o método
empregado. Não admitia erros. Se não alcançasse êxito, a falha era sempre de que executava a tarefa.
Havia um
momento muito importante nas nossas vidas em que nas noites mais quentes nos
reuníamos no alpendre. Papai não dizia, mas hoje eu reconheço o prazer que
sentia e intimamente agradecia a companhia quando espontânea de qualquer um dos
filhos que fosse ali bater um papinho com ele, principalmente os meninos. Ali
era seu lugar preferido onde passava quase o dia todo lavrando pauzinhos ou
lendo jornais. Era quando passava com os
meninos as tarefas do dia seguinte, relembrava casos da família, pessoas que eu
não conhecia, mas pude guardar alguns nomes; às vezes fazia comentários das
notícias dos jornais que assinava.
Meu pai era
uma pessoa bem informada, politizada, estava sempre por dentro dos principais
assuntos do momento. Nas noites mais frias essa reunião era feita na cozinha em
volta de uma lata aberta como assadeira cheia de brasa. Assentávamos em volta
para nos aquecer e ouvi-lo. Detestava conversas paralelas enquanto estivesse
falando. Ambos, ele e mamãe faziam questão que estivéssemos todos juntos nessa
hora.
Apesar
dessa ranzinzisse, e de ser o responsável pelo meu caráter submisso, guardo com
saudade a lembrança de meu pai; a minha
infância e tudo o que me relaciona com ela inclusive e principalmente a
educação severa que nos tornou a todos,
seus filhos,pessoas de bem.
Um comentário:
Ti'Ada, acho que li esta postagem no mural. Vc fala do Padrinho de uma forma saudável e admiro esta sua capacidade. Acho que sou bem mais intolerante. Gostei de ler seu texto é ameno e natural. Bjs,
Mian
Postar um comentário