quinta-feira, 23 de maio de 2013

A passagem assombrada (II)



 Para melhor compreensão dos fatos é recomendável ler  o episódio anterior, A passagem assombrada (I). O texto foi desmembrado em respeito ao amigo leitor que preza seu tempo.
Na fila dupla eu ocupava mais ou menos a quarta posição. Era formada pelas alunas  mais altas à frente seguidas pelas de menor estatura. Isto não quer dizer que quem ocupava os primeiros lugares  conduzindo a fila, eram necessariamente as mais ajuizadas e equilibradas e sim as mais altas. Talvez por isso mesmo o que passava em pernas, faltava em juízo.
Eu era uma daquelas que tinham voltado de uma soneca na capela, logo, estava um tanto desligada da realidade tentando  me manter acordada. Encostada na parede do corredor, enquanto se abriam as portas, fechei os olhos. Naquele fatal piscar, um pouco mais prolongado em que tive os neurônios desligados por uma fração de segundo, ouvi alguém gritando - um homem!  Um homem! Isto significava que havia ali um malfeitor! A primeira reação seria a de nos  proteger, fugir,  buscar um esconderijo! Imagine  cem meninas  envolvidas pelo mesmo sentimento de pavor, buscando refúgio, sentindo-se perdidas, desorientadas, sem proteção e ainda sem saber de fato o que estava acontecendo.
Todas gritando histericamente, fizeram a meia volta correndo e se atropelando. Havia meninas espalhadas por todo canto, aquelas que conseguiram chegar a algum lugar. Outras, as atropeladas, ficaram  pisoteadas no chão, feridas, em estado lastimável. O pânico espalhado levou até à clausura (local reservado às irmãs)  algumas meninas  movidas pelo desespero provocando um reboliço, porque ninguém entendia nada... Todos queriam saber o que estava acontecendo, mas ninguém conhecia o motivo daquele desespero...
O gabinete da Madre Superiora ficava quase em frente onde eu estava. Era um local onde só entravam as pessoas convidadas por ela.  Pensei: este é um bom lugar onde me esconder. Mão no trinco, a porta estava aberta, entrei. O escuro do interior impediu-me de ver se havia alguém naquele recinto. Na verdade não estava preocupada com isso. Achava que estava sendo esperta buscando melhor refúgio, quando dei de cara com alguém. Agora com a visão mais adaptada à penumbra, vi uma velha, cabelos brancos e longos, camisola branca... na minha cabeça de adolescente, era uma bruxa! O que eu fiz? Voltei a gritar apavorada, rumo à porta, saí para o corredor gritando e correndo sem direção,desesperada!
Aos poucos os ânimos foram se acalmando! Nessa noite não fomos para a sala de estudos. Depois desse tumulto as irmãs nos conduziram ao dormitório e nos ofereceram  calmantes.
No dia seguinte já mais calmas fomos rememorar o acontecido. Cada uma tinha uma história para contar. A grandalhona que abriu a porta e que “viu o homem”, vira sim a roupa de um dos trabalhadores da obra que estava pendurada em uma das escoras da laje...
Muitas garotas foram atendidas na enfermaria para curativos, outras foram para um banho extra porque haviam soltado seus esfíncteres... e eu, bem... fiz uma revelação: vira a Madre Superiora em trajes íntimos enxugando os cabelos, porém não contei que a confundira com uma bruxa e que saíra dali apavorada de medo!