Faço parte
de uma geração de transição. A geração da mudança que começou a perceber a
necessidade de transformação carregando
os carismas positivos de uma educação tradicional mesclando-os com os
imperativos da modernidade.
Quando me lembro
da minha vida de criança, na fazenda onde o maior contato com o mundo exterior
era um radio à pilha e os jornais, comparo-a com as das crianças atuais. A
criançada moderna, meninas de cinco a
dez anos, não compreenderiam o quanto
agradável é brincar só, como eu brinquei. Não saberiam brincar de “faz
de conta”, usar a criatividade, a fantasia, não se envolveriam em situações imaginárias a
ponto de viver uma situação irreal.
Não tendo
com quem dividir meus devaneios, tirava proveito do que tinha: das árvores, das
bonecas, as bruxinhas de pano que eu mesma fazia.
Subia nas árvores e passava a
viver uma fantasia novelesca em que algumas coleguinhas brincavam comigo. O cenário
era sempre o mesmo, mas o enredo variava a cada dia. Amiguinhas imaginárias
faziam parte desse mundo... Todas eram
“comadres” , tinham nome, casas, famílias, filhos pequenos.
Ali eu
passava horas brincando de casinha visitando as “amigas” em suas casas, apenas passando
de um galho para o outro.
Raramente
eu tinha alguém de verdade brincando comigo. Isso só acontecia quando minha
irmã casada Ester, ia passar uns dias conosco. Sua filha mais velha Milene,
quase da minha idade, me trazia um novo estado de fantasia. Então eu aproveitava
e deixava de lado o meu faz de conta solitário, para brincar também de faz de
conta com crianças de verdade.
As nossas casinhas ora em cima, ora em baixo das árvores, tinham
um “que” de um realismo. A mangueira era
a que melhor favorecia com sua sombra e galhos fortes.
Aí
soltávamos a imaginação! Construíamos, mobiliávamos e decorávamos com pecinhas encontradas no
quintal ou na nossa imaginação. Fazíamos a divisão dos cômodos, a colocação dos
móveis, tudo na mente, até as portas, as janelas tinham seu lugar exato. “Faz
de conta que aqui é minha casa, aqui, o quarto... aqui a cozinha... ali a porta
de entrada... minha porta tem campainha, não bater palma, por favor! A Milene
era extremamente rigorosa nesse aspecto. Se eu fosse à casa dela, tinha que
apertar a campainha no local demarcado para a porta: “dliiim-dlom”...
A visita era recebida com requinte,
conversávamos sobre problemas familiares, fazíamos fofoca, servíamos cafezinho,
biscoitos, etc. Tínhamos criatividade para vivermos outros personagens também,
artistas, cantoras... só que eu não conhecia bem essa gente, gostava mesmo era
do papel de comadre.
As crianças,
uma mais sapeca que a outra,tiravam
nosso sossego... Passávamos o tempo corrigindo os pestinhas e brigando com as empregadas.
Quando
inventávamos de fazer cozinhadinha ou comidinha, tínhamos que buscar recursos
na cozinha com minha irmã Teca que era mais “boazinha,” satisfazia sempre a
nossa vontade sem reclamar.
Fazíamos
fogão com pedras e tijolos espalhados pelo quintal. Recolhíamos gravetos
e palha e sabugo de milho seco. Tudo para
acender o fogo! Essa era a pior hora! Não conhecíamos a técnica...
Risca
fósforo, assopra, uma labaredazinha que não se sustenta, logo se apaga! A
fumaça que entra nos olhos... Pára tudo para enxugar as lágrimas! Que peleja...
Quando por fim conseguíamos acender o fogo já estávamos cansadas, e a fome
gritando para pedirmos socorro na cozinha.
Quando algum adulto acendia o fogo para nós,
conseguíamos fazer a nossa comidinha. Que prazer! O arroz, ora papa, ora cru,
mesmo assim era delicioso!
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