A busca por
um melhor lugar ao sol é próprio do ser vivo. A planta na ausência de luz se estira entorta e contorce à procura da claridade. Os
animais se aconchegam uns aos outros à procura de calor. O ser humano não é
diferente, está sempre à procura do que lhe falta. Amor, carinho, compreensão
para uns, para outros o status, a
posição de comando... Ainda a outros só o dinheiro e tudo aquilo que ele
proporciona e representa, basta!
Naquele
momento, na fase de adaptação na outra sala de aula, eu fazia parte dos seres
humanos desprovidos de afeto! Na minha carência sentia-me sozinha, confusa, cheia de medo! Tudo me era
estranho, nada se parecia com aquilo que sonhara noites a fio na fazenda... via-me no colégio cercada de coleguinhas,
brincando, fazendo traquinagens...
A realidade
era bem outra...
Fui acolhida
na outra sala com atenção, mesmo porque todas as alunas e a professora
presenciaram a minha desventura e ficaram angustiadas. A irmã que agora seria minha professora e as
novas coleguinhas, acolheram-me tão bem que aos poucos fui esquecendo os maus
tratos sofridos e passei a me interessar pela sobrevivência naquele lugar inóspito.
Minha coleguinha Margarida foi a grande responsável pela minha adaptação. Foi
ela quem me orientou quanto aos cuidados pessoais, como manter meus pertences
guardados em ordem, a fazer silêncio sempre que não estivéssemos em recreio...etc.
Com o tempo
passei a receber elogios nas aulas porque tinha desenvoltura para ler e escrever.
Entretanto, quase tudo o que “dominava” estava fora do currículo. Matérias como
geografia e história que eu havia estudado em casa estavam completamente fora
do currículo.Conhecia o Mundo mas não
sabia nada sobre São Paulo. Tive que estudar bastante! A Irmã Sacrário, aquela
adorável criatura, compreendeu que eu só precisava de um empurrãozinho para
conseguir me igualar à turma.
Empenhou-se em me auxiliar nos seus momentos de folga. Margarida ajudava-me nos
deveres de casa, e nos apegamos muito.
Aquele ano
letivo transcorreu sem maiores incidentes. Rapidamente alcancei a turma, adaptei-me
ao currículo, transpondo os obstáculos sem maiores incidentes.
Durante todo o semestre, recebi apenas três
visitas dos meus pais. Apesar das saudades, eu compreendia que era difícil a
visita constante da minha família. Morávamos não tão longe, mas o acesso era
difícil. Estrada acidentada de terra batida, uma dificuldade! No período da
chuva era a lama, na seca, a poeira...
No final de
cada mês as internas que tinham bom comportamento podiam passar o final de semana em casa. Eu só saía
nos feriados maiores tipo Semana Santa. Em compensação nós que ficávamos íamos
brincar na chácara das Irmãs em frente ao colégio. Essa chácara era o lugar de recreio das
freiras onde elas jogavam vôlei ou outro
tipo de competição com bola. Da janela do dormitório podíamos vê-las na maior
“farra” gritando e correndo na maior alegria. Eu gostava de ver... Desfiz o
mito da esposa de Cristo recatada que vivia em oração fazendo tudo muito
certinho! Sentia que elas eram pessoas normais que viviam em reclusão por vontade
própria para servir a Cristo através da doação de si mesmas! Eram pessoas
comuns com algumas virtudes e muitos defeitos, entre os quais o
preconceito.
O
tratamento dado às alunas mais abastadas era diferenciado das pobres; nem mesmo entre as ricas se viam negras. Uma única exceção, a
Negô, uma das primeiras alunas, quando o colégio estava iniciando como internato. Não raro acontecia de
convivermos com meninas com problemas mentais graves ou com outras doenças
nervosas como a epilepsia, que exigia de nós muita compreensão e
desenvolvimento do senso de tolerância. Era fácil perceber que as famílias contribuíam
para que essas alunas fossem aceitas e que tivessem um tratamento diferenciado. Eram
todas brancas e abastadas.
Apesar da
rotina, a cada dia vivíamos a
expectativa de um incidente para movimentar os ânimos, ora uma briga, ora um
ataque nervoso e ainda uma repreensão pública ou castigo. Sempre algo que dava
motivo bastante para comentários e fofocas! Uma experiência de vida que
fortalece e estimula a convivência com as diferenças!