É
com imensa saudade que busco na lembrança, o lugar onde nasci e vivi até meus
vinte anos!
Era
uma gleba de terras situada na encosta de um morro de onde se tinha uma vista
privilegiada daí o seu nome – Boa Vista, isto é, São José da Boa Vista. Por
devoção ao santo, meu pai até construiu uma capelinha um pouco mais acima da
casa, em cujo altar uma imagem do santo exibia o Menino Jesus em um dos braços
e ramo de lírios no outro.
Nessa
capela, uma vez por ano, no dia 19 de março, vinha um padre celebrar missa. Ali se reuniam vizinhos, parentes e os
colonos que trabalhavam nos cafezais. Após a Missa, que geralmente era pela
manhã um café era servido com bolo, biscoitos,
broas de fubá, pão de queijo etc. Era uma movimentação diferente e singular!
Minhas
lembranças desse evento vão até os meus nove anos, fato que não teve seguimento
para mim. Com essa idade fui mandada para o internato em colégio de freiras (essa
passagem vai gerar novos episódios). Como o início das aulas era em março, eu
já estava no internato, perdia então o único acontecimento festivo realizado na
fazenda.
A
casa, construída em terreno inclinado, tinha no lado direito sob quase todo
piso, um porão onde se guardavam entulhos; era também o abrigo dos cães que
serviam de guardas da fazenda, o que muito me aborrecia porque eu queria fazer
daquele lugar o meu refúgio, o lugar onde poderia viver minhas fantasiais de
menina.
O
piso da casa era de tábua corrida que rangia sob as passadas das pessoas mais
pesadas; as janelas muito altas todas com vidraças de onde se viam pela frente
os currais e do lado direito o pomar.
As janelas eram um conjunto formado por vidraças
em duas partes, que se moviam verticalmente para que pudesse entrar o ar e a
claridade ao mesmo tempo e a parte de madeira, tábuas serradas toscamente, para
vedar a luz e permitir uma maior proteção. As paredes que subiam até o teto, eram
de tijolos; as portas largas se fechavam em duas partes ou folhas.
Os
quartos tinham entrada pela sala de jantar, menos o quarto das meninas que
tinha acesso pelo quarto do casal.
Na
sala de jantar, uma mesa com oito lugares onde fazíamos as refeições todos
juntos. Havia um móvel, sobre o qual um oratório. Dentro dele imagens de Nossa
Senhora Aparecida, Nossa S. das Graças e um crucifixo.
A
sala de visitas era um dos cômodos da casa que não me provocava atrativos,
muito pelo contrário, me causava asco ou medo... talvez por ter um aspecto sóbrio,
era um ambiente masculino com seus móveis austeros, rústicos, peculiares...
O
quarto de hóspedes dava entrada pela sala de visitas. Era um cômodo que
raramente era ocupado. Estava sempre fechado, empoeirado.
Os
móveis de toda casa eram adequados para a época: de madeira maciça traduzindo a
simplicidade e falta de senso estético, natural para as exigências dos
proprietários.
Na
falta de energia elétrica, usávamos lamparinas e lampiões à querosene, mas
papai que gostava de conforto, procurava buscar alternativas para obter maior comodidade.
Tudo
na minha visão de criança curiosa era muito grande e pitoresco. Havia um ar de
mistério e magia representando qualquer coisa de proibitivo que eu fazia
questão de desvendar, descobrir ou revelar a mim mesma.
Como
toda criança solitária, a busca pelo novo, a descoberta, o fascínio pelo
insondável movia todas as cordas da minha curiosidade e solidão na busca de
novidades naquele ambiente severo, intransigente e imponente que constituía o
lugar onde nasci e vivi com minha família.
Assim
construí o meu mundo particular de divagações e explorações minuciosas em que
tudo até os movimentos de um inseto me faziam entreter por horas a fio.
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