Aos poucos
minha vida voltou ao normal. Tive que me esforçar bastante para alcançar a
classe. A minha recuperação se deu por completo e minha vida passou ao normal,
sempre buscando novas atividades que pudessem minimizar aquela monotonia
sufocante.
Certo dia, um
alvoroço envolvia as meninas externas provocando nas internas, curiosidade e
expectativa. Soubemos então que havia um
corpo no necrotério. Falando assim,
parece normal, porque é o local apropriado onde se colocam as vítimas fatais de
acidentes até que sejam liberados e
resgatados pelas famílias.
O tal
necrotério não era o IML de hoje com salas equipadas, refrigeradas, apropriadas;
era uma salinha na entrada do cemitério. Na verdade, esse cemitério já se
situava dentro da cidade bem próximo ao colégio. De algumas janelas do
dormitório viam-se os túmulos, o que para a maioria das colegas era motivo de apreensão e medo e... muita fantasia. Era
frequente acordarmos com os gritos de alguma menina que fantasiava a aproximação
de espíritos confundidos com a sombras em movimento dos eucaliptos projetadas nas paredes. O
cenário era ideal para a “imaginação solta” das internas. A proximidade do
cemitério, a luminosidade dos postes da rua e a respectiva sombra das arvores,
o vento sibilando e provocando batidas de janelas e vidraças... Bastava uma
menina gritar para provocar pânico na meninada estendendo-se por todos os
dormitórios. Umas gritavam por medo, outras entravam na onda por pura farra! A
barulheira naturalmente acordava o colégio colocando as freiras em polvorosa!
Bem, no dia
do incidente do necrotério, a curiosidade fez com que criássemos uma estratégia
para burlar a vigilância e sairmos do colégio sem sermos notadas. Eram dois os
portões que davam acesso ao colégio. Um servia de entrada e saída para as
externas, o outro servia aos trabalhadores da obra de ampliação do colégio.
O plano era
colocar uma colega bem grandalhona para conversar com a irmã que vigiava a
saída das externas e passarmos despercebidamente como se fôssemos uma delas.
Até aí tudo bem.
As
complicações começaram com a exposição do cadáver naquele lugar. Grande número
de curiosos se acotovelava para ver por segundos o objeto raro ali exposto. Entre
a sala onde estava o defunto e o hall do cemitério havia uma escadinha e uma porta de metal com a parte superior em
grade possibilitando a quem tivesse altura bastante, visualizar o seu interior.
Quando enfim consegui chegar à porta, vi que não tinha altura suficiente. Foi
dando alguns saltos que consegui ver. E o pouco que vi me provocou desarranjo
estomacal e uma imagem que se alojou em minha mente por muitos anos.
Contaram
que era de um suicida aquele corpo que
ali estava exposto. Havia deitado sobre os trilhos da linha da Mogiana. O trem
o degolou e partiu suas pernas. O que jazia sobre uma mesa era algo
estarrecedor! O tronco nu, mutilado, branco como macarrão cozido, apenas
cobertas as partes íntimas, a cabeça do lado direito e as pernas colocadas no
sentido transversal...
Voltamos
para o colégio sem maiores dificuldades, aproveitando a entrada de um
carregamento de material que camuflou a nossa
passagem. Era hora do almoço, a
vigilância estava menos atenta.
Entramos no
refeitório. Nesse momento, elaborei a maior associação de ideias, com
consequências duradoras, para a vida toda. Sobre as mesas estava uma travessa de macarrão branco. A associação
foi perfeita e imediata. Saí correndo do refeitório em busca da “casinha” para
desembaraçar-me do que estava revoltado no meu estômago.
Essa
transgressão trouxe consequências desagradáveis para todas as que participaram.
Impressionadas, o incidente por muito tempo foi motivo de pesadelos e muita
gritaria no meio da noite...
Um comentário:
Sua linguagem solta é deliciosa!!!!!!
Viajei...rs
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