sexta-feira, 7 de junho de 2013

Fugindo do espeto, caiu na brasa!



No internato, onde passei dez anos de minha infância e adolescência, todas as atividades eram feitas em conjunto. Já tive oportunidade de dizer aqui que não ficávamos sozinhas, tínhamos sempre alguém vigiando, uma freira ou uma “olheira”. Esta era uma aluna como as outras, mas preferia ficar do lado das irmãs quando existisse algum fato que estivesse em desacordo com o regulamento ou instruções do momento.

Todos os movimentos eram feitos em fila dupla; entradas e saídas de qualquer lugar, até nos passeios pela cidade aos domingos.

Um dia, numa manhã linda, saímos em direção a uma praça onde  balanços e outros brinquedos infantis estavam à disposição da criançada. Tudo bem, quem quisesse brincar podia escolher seu brinquedo, mas as maiores, as mocinhas, morriam de vergonha da situação. De repente, não sei de onde saiu, um bando de rapazes apareceram com bolas nos chamando para jogar vôlei.  Educadamente agradecemos e trocamos algumas palavras inocentes.
Quando as irmãs que nos acompanhavam viram que conversávamos com estranhos e ainda jovens, alarmaram-se e no mesmo instante  deram o sinal de agrupamento. A esse sinal tínhamos que atender imediatamente sob pena de castigo.

As irmãs nos olhavam furiosas nos prometendo mundos e fundos em forma de punição por aquele “ato de indisciplina”.Imediatamente formamos a fila, e como ainda faltava muito tempo para a volta, a alternativa era passearmos pela cidade... em fila!

Receando passar por novas peripécias, ou encontrarmos algo desagradável pelo caminho, a irmã responsável que não conhecia bem a cidade, foi conduzindo a fila procurando distanciar do centro ou dos “perigos” que ele representava, ou seja, os rapazes.

Segue aqui, vira ali, caminhando sempre em busca de ruas ermas, deparamos com algo inusitado. Mulheres  com roupas coloridas, saias justas e muito curtas, decotes profundos, saiam à porta e janelas, espantadas fazendo observações inoportunas!

A irmã ficou na maior “saia justa”, não sabia o que fazer se virava ou  seguia, pedindo que não olhássemos e nem respondêssemos aos gracejos.
Ela  por fim compreendeu que teria sido melhor se tivéssemos ficado na praça. Como diz o ditado popular: “Fugindo do espeto, caiu na brasa!”


quinta-feira, 23 de maio de 2013

A passagem assombrada (II)



 Para melhor compreensão dos fatos é recomendável ler  o episódio anterior, A passagem assombrada (I). O texto foi desmembrado em respeito ao amigo leitor que preza seu tempo.
Na fila dupla eu ocupava mais ou menos a quarta posição. Era formada pelas alunas  mais altas à frente seguidas pelas de menor estatura. Isto não quer dizer que quem ocupava os primeiros lugares  conduzindo a fila, eram necessariamente as mais ajuizadas e equilibradas e sim as mais altas. Talvez por isso mesmo o que passava em pernas, faltava em juízo.
Eu era uma daquelas que tinham voltado de uma soneca na capela, logo, estava um tanto desligada da realidade tentando  me manter acordada. Encostada na parede do corredor, enquanto se abriam as portas, fechei os olhos. Naquele fatal piscar, um pouco mais prolongado em que tive os neurônios desligados por uma fração de segundo, ouvi alguém gritando - um homem!  Um homem! Isto significava que havia ali um malfeitor! A primeira reação seria a de nos  proteger, fugir,  buscar um esconderijo! Imagine  cem meninas  envolvidas pelo mesmo sentimento de pavor, buscando refúgio, sentindo-se perdidas, desorientadas, sem proteção e ainda sem saber de fato o que estava acontecendo.
Todas gritando histericamente, fizeram a meia volta correndo e se atropelando. Havia meninas espalhadas por todo canto, aquelas que conseguiram chegar a algum lugar. Outras, as atropeladas, ficaram  pisoteadas no chão, feridas, em estado lastimável. O pânico espalhado levou até à clausura (local reservado às irmãs)  algumas meninas  movidas pelo desespero provocando um reboliço, porque ninguém entendia nada... Todos queriam saber o que estava acontecendo, mas ninguém conhecia o motivo daquele desespero...
O gabinete da Madre Superiora ficava quase em frente onde eu estava. Era um local onde só entravam as pessoas convidadas por ela.  Pensei: este é um bom lugar onde me esconder. Mão no trinco, a porta estava aberta, entrei. O escuro do interior impediu-me de ver se havia alguém naquele recinto. Na verdade não estava preocupada com isso. Achava que estava sendo esperta buscando melhor refúgio, quando dei de cara com alguém. Agora com a visão mais adaptada à penumbra, vi uma velha, cabelos brancos e longos, camisola branca... na minha cabeça de adolescente, era uma bruxa! O que eu fiz? Voltei a gritar apavorada, rumo à porta, saí para o corredor gritando e correndo sem direção,desesperada!
Aos poucos os ânimos foram se acalmando! Nessa noite não fomos para a sala de estudos. Depois desse tumulto as irmãs nos conduziram ao dormitório e nos ofereceram  calmantes.
No dia seguinte já mais calmas fomos rememorar o acontecido. Cada uma tinha uma história para contar. A grandalhona que abriu a porta e que “viu o homem”, vira sim a roupa de um dos trabalhadores da obra que estava pendurada em uma das escoras da laje...
Muitas garotas foram atendidas na enfermaria para curativos, outras foram para um banho extra porque haviam soltado seus esfíncteres... e eu, bem... fiz uma revelação: vira a Madre Superiora em trajes íntimos enxugando os cabelos, porém não contei que a confundira com uma bruxa e que saíra dali apavorada de medo!


segunda-feira, 22 de abril de 2013

A passagem assombrada (I)



Depois de uma longa temporada distante do meu blog aonde e dentro do qual vou refazendo o meu passado volto escarafunchando minha memória, nos longínquos anos da década de 1950 no  internato em um colégio no sudoeste do Estado Minas Gerais. 

Quero recordar aqui que  entre  1949 e 1960 estive estudando em tradicional colégio cuja rigidez e disciplina assemelhava-se ao regime militar. Só não éramos obrigadas  a bater continência, entretanto, o respeito, a obediência à hierarquia, a disciplina rigorosa, o temor às penalidades se assemelhavam bastante. Uma campainha ou uma sineta, sempre avisava que a hora havia chegada para interrompermos  o que estávamos fazendo e iniciar outra atividade. Esse movimento era sempre feito em fila e em silêncio.

Em um desses momentos, depois do recreio do jantar, já na volta da capela, onde tínhamos passado quase uma hora ( rezando umas, cochilando outras, em devaneios a maioria) aconteceu um fato bastante engraçado.

 O colégio estava em reforma, em construção de uma laje no piso superior que faria a ligação direta entre a ala dos dormitórios e capela,  e a das salas de aula e outras dependências. Essa providência foi para que o percurso entre os locais se fizesse com menor tempo e desgaste físico. O trajeto entre as duas alas  era feito dando-se uma volta subindo e descendo escadas ou  passar sob a laje em construção, isto é , entre as escoras de madeira que mais parecia uma floresta, que nesse momento se encontrava no escuro. A passagem por ali ainda não estava liberada por causa dos entulhos; não sei por que, naquele dia, mudaram-se as ordens.

 Havia uma porta que ligava um corredor a essa área  escura de uns 20m por onde deveríamos passar caminhando até a outra ala.  A ordem  para a garota que estava na frente da fila era para que acendesse as luzes do lado de fora antes que abrisse a porta. Mas ela se esqueceu desse detalhe e a porta foi escancarada.

Ora, o que aconteceu a seguir foi um somatório de atos impensados de mentes se refazendo da quietude mental  de momentos anteriores. Ao abrir a porta o impacto com o cenário foi assustador! Alguém “viu” um homem  ali e começou a gritar: um homem!...Um homem!... a fila toda vira-se em sentido contrário de uma só vez atropelando quem ainda estava dormindo, numa gritaria só, em desespero como um estouro de boiada.  

O desenrolar desse acontecimento ficará para o próximo post. Aguardem!

domingo, 6 de janeiro de 2013

A MANGA E OS MARIMBONDOS


No internato,  as opções de diversão eram restritas às oportunidades que o próprio colégio pudesse oferecer. Duas vezes ao ano, eram-nos proporcionados passeios fora da cidade, de preferência em fazendas onde a meninada pudesse curtir à vontade, sem grandes preocupações para as irmãs. Essas “preocupações” giravam em torno da presença masculina que pudesse despertar em alguma moçoila um olhar menos inocente, uma intenção um pouco mais avançada. (Sobre esse assunto, em outra ocasião relatarei um fato interessante). Esses passeios eram programados com antecedência porque nem sempre havia quem se dispusesse a oferecer refeição para um bando de esfomeadas. É bom lembrar que qualquer comida diferente da que era servida no colégio, aguçava o carente paladar da criançada... Qual não seria então a reação provocada por uma comidinha da roça? Bem, enquanto o almoço ficava pronto, podíamos passear pelos lugares permitidos, andar a cavalo, brincar na água se houvesse oportunidade, subir em árvores e comer as frutas apanhadas no pé, que delícia!...
Quase todas as internas tinham o pezinho na roça, éramos filhas de fazendeiros, sabíamos de tudo sobre a vida na fazenda! Mas, havia algumas bem urbanas que não tinham o menor traquejo com a vida rural. Monjolo era cavalo de pau e cabaça, abóbora de madeira... Não preciso dizer o quanto eram criticadas pelo “mico”! Nós as ruralistas estávamos em nosso ambiente... éramos desenvoltas, conhecíamos tudo naquele ambiente!
Em um desses passeios o pomar era lindo, muitas árvores  frutíferas, laranjeiras, mangueiras, pés de jaboticabas, de abacates, bananas, abacaxis e outras... entre as fruteiras a que mais me chamou a atenção, foi a mangueira que estava com as frutas ainda verdes, iniciando o processo de amadurecimento. Despertou-me a atenção particularmente uma manga lá no alto, linda, rosada... Não tive dúvida, em dois tempos eu estava lá em cima! Ao meu alcance a coisa mais cobiçada naquele momento. Faltava apenas um impulso para alcança-la,  ali a dois palmos da minha mão...Foi quando impulsionando o corpo com o pé num galho mais alto... era tudo o que faltava para alcança-la... e... isso foi também tudo para ser  maior carão que passei em   minha vida! Bati com a cabeça numa caixa de marimbondos! Podem imaginar o que aconteceu? A bicharada se viu atacada e voltou-se em perseguição ao agressor, no caso, eu. Não sei como, mas cheguei lá em baixo. Da metade da árvore  escorreguei, da outra metade, caí! Esparramei-me no chão, coberta de marimbondos! Atacaram-me por todo corpo, principalmente na cabeça e no rosto. Quem pode avaliar o que é ser picado por centenas de ferrões desse agressivo inseto? Tudo bem, eu invadi o espaço deles, mas precisava uma resposta tão hostil???
O resultado  do fato foi uma tragicomédia. Comecei a inchar. O edema cobriu-me todo o rosto. O estojo de  primeiros socorros das irmãs, se é que tinha algum,não estava preparado para tal incidente. Vieram lá com um tal de azul de mitileno, como próprio nome diz, um líquido azul anil que passaram em todas as picadas, isto é, em todas as partes descobertas ou mal cobertas. Imaginem a situação. As pálpebras, os lábios, as orelhas, o nariz, o pescoço... inchados e azuis, parecendo uma assombração. As colegas, nem preciso dizer, quase tiveram um ataque de tanto riso!
 Entretanto, eu garanto, o vexame  não foi pior que a dor sofrida!