A vida no internato era cheia de altos e baixos no que se
refere ao estado de espírito das internas. Nem sempre era diversão... Tínhamos momentos alegres e até felizes! Mas, havia
também ocasiões de melancolia, em que o sofrimento tinha como causa essencial, a carência
afetiva, a falta da família, as lembranças, quadros da fartura, da comida
gostosa, da liberdade... Não era raro depararmos com coleguinhas amuadas pelos
cantos chorando de saudades de casa. Acontecia que ao consola-la, caíamos no
choro também. Era contagiante...
Isso sempre se
dava em momentos de recolhimento, na capela ou no dormitório quando o silêncio
era absoluto. Eram as ocasiões em que se evocava a imagem da família reunida, o aconchego do lar, as
carícias dos entes queridos principalmente a mãe... Ah! Como tudo isso era
doído! A saudade tinha um gosto amargo, era como um punhal penetrando no peito!
Uma dor que fecha a garganta... o choro pungente
que dilacera a alma! Dor semelhante, imagino eu, à das crianças
amontoadas nos orfanatos que só é maior porque a única coisa que sabem é
que não têm um lar e ninguém que as esperem ou que preencham suas esperanças ou
ainda, não têm de quem sentir saudade...
À medida que avançávamos em idade progredíamos em
solidariedade, tornando-nos mais amorosas; revezávamos no papel de mãe, de irmã mais
velha, e bancávamos as protetoras umas das outras.
O meu grupo era formado por quatro meninas. Uma mais
velha que eu, a Margarida, garota inteligente, pouca conversa, astuta, sabia
tudo, com um lance de olhar interpretava o que se passava ao seu redor, por
isso era a líder. As duas outras eram gêmeas, Lívia e Olivia. A Margarida era
amada por todas, mas, tinha ligação mais
forte comigo e eu com ela. Olívia
gostava de todas por igual tinha boa índole era companheira para todas as
horas. Já a Lívia tinha o gênio forte, era ciumenta e egoísta. Brigava por
qualquer coisa, muitas vezes foi ameaçada de ser expulsa do grupo, por causar
intrigas, sempre comigo. Não perdia a oportunidade de me alfinetar. Mas todas
estavam prontas a agasalhar umas às outras em qualquer situação.
Valores como tolerância, repeito, amizade, sinceridade,
companheirismo e desapego eram desenvolvidos em nós, porque tínhamos que impor um
ambiente que amenizasse as condições de amargura impostas pelo regime. Tínhamos
que suprir as carências uma das outras.
Nosso grupinho de quatro acabou se desfazendo quando no
semestre seguinte as gêmeas não voltaram. O colégio perdeu muitas alunas e o
internato entrou numa situação de recessão que foi difícil aguentar. Para economizar água, o tempo do banho era
cronometrado. Tempo para se molhar, ensaboar e enxaguar. A irmã dava o sinal para
começar e finalizar cada movimento.
A alimentação
estava intragável, mal feita, fria, sem tempero. O café da manhã era servido às
7hs. e o almoço ao meio dia. No
intervalo quem tivesse grana podia comprar lanche na cantina, quem não tivesse,
ficava com fome.
Fazíamos fila para tudo. Tínhamos que esperar todas as
alunas chegarem para entrarmos para o refeitório. Essa espera era a desculpa
para que comida posta na mesa esfriasse. A torcida era para que a gororoba
estivesse com melhor aspecto e variada, já que todos os dias eram os mesmos
pratos: arroz, feijão, bife de fígado e salada de alface com tomate. Tudo bem
se o arroz não fosse “unidos venceremos” o feijão mais quentinho e o bife não
apresentasse uma natinha esverdeada denunciando as horas que estava servido.
Eu olhava para aquilo e nem me assentava à mesa. Não
podia compreender como as colegas conseguiam comer aquilo... passei então a
pedir pão à copeira. Comer pão puro? Aventurei pedir café ou açúcar. Quando não
tinha café, o açúcar era bem-vindo. Abria um buraco no pão, colocava o açúcar e
molhava com água para ficar mais fácil de engolir.
Tudo ia muito bem até que trocaram a copeira e não pude
mais comer um pão inteiro no almoço. Passei então a dividir o pãozinho do café
da manhã; deixava a outra metade para comer no almoço com açúcar molhado.
Para fazer economia, as irmãs começaram a fabricar o
pão nas dependências do colégio. E o pão foi encolhendo...
Um dia, nos reunimos e fomos reclamar com a Madre
Superiora. Ela faltou chorar, reclamou das inadimplências e que ela não poderia
dispensar as alunas que estivessem em falta com as prestações. O motivo real
não era bem esse... Era o desvio para outro
projeto da direção.
A providência
tomada foi aumentar um lanche entre o café e o almoço. Então começaram a servir
pão com sardinha... todos os dias! Eu queria morrer!
Escrever aos meus pais, reclamar, botar a boca no
trombone... Nem pensar... as cartas eram censuradas, lidas pelas irmãs. Se elas encontrassem algo
que denegrisse a imagem do colégio, mandavam corrigir.
A situação estava insustentável quando a Margarida
bolou uma forma de nos alimentarmos com algo mais substancioso. Guardávamos a banana da sobremesa, amassávamos com leite
condensado e leite em pó. Era uma delícia!Ela tinha conta em uma farmácia onde comprava por telefone.
Por muito tempo, essa foi a minha refeição do dia. Minha amiga Margarida, Deus
lhe pague pela sua afeição e solidariedade.
Minhas reservas
nutritivas conseguidas enquanto em casa,
na fazenda com a fartura com que fui criada, estavam no limite... Logo meu
organismo denunciaria a desnutrição... mas isso será assunto para a próxima postagem!
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