quarta-feira, 1 de agosto de 2012

A lagartixa e o capetinha


A vida rotineira do internato traz muita comoção interior por ter que seguir um regulamento rigoroso onde todos devem seguir as mesmas orientações os mesmos horários rígidos, disciplina... disciplina...disciplina. Todas  as atividades  eram realizadas em silêncio. Uma sineta ou campainha marcava a movimentação que  deveríamos fazer para passar de uma  a outra ação imediata. Se estivéssemos em meio a uma tarefa, deveríamos  suspende-la  e irmos para a fila em silêncio.
 O recreio significava liberdade. Em dois momentos após as principais refeições, tínhamos  certa liberdade. Podíamos brincar, conversar ou jogar dama, torrinha ou outros joguinhos de menor movimentação. A criatividade para as artimanhas é característica da idade. Então a vigilância era acentuada sobre os grupinhos que preferiam conversar. Isso pelo temor de que  as irmãs tinham de estarmos tramando algo inconveniente. Qualquer  tipo de reclusão convida à insubordinação e não era diferente para as internas de um colégio de freiras. Sair da rotina imposta por um regulamento sufocante era um desejo impreterível, não se podiam deixar passar a oportunidade...
 Qualquer ato menos lícito tinha que ser combinado de forma que não deixasse suspeitas. Por isso os grupinhos eram fechados. Para se admitir um novo membro colocava-se em votação. Tínhamos um acerto de fidelidade, cumplicidade, confiança e proteção entre os membros do grupo. Uma liderava e as outras colaboravam com criatividade, astúcia e ação. O que fosse sugerido pelo grupo, todas tinham que participar, antes, porém era debatida e votada a proposta.
Muitas vezes nos vimos em situações perigosas em que seríamos apanhadas se não tivéssemos  o pacto de fidelidade. O fato de ser pega em situação de culpa  era tão comprometedor perante o grupo que não cabia autodefesa.  Quem fosse pega em infração deveria sofrer sozinha as consequências  até que nos reuníssemos para deliberar o que fazer. Nem sempre tínhamos tempo para isso, então um simples olhar era o suficiente para o entendimento e a líder tomava sozinha a deliberação o que seria seguida por todas.   Geralmente todas se acusavam, passavam por algum castigo, baixava a nota de comportamento e perdíamos  os passeios, as saídas  de final de mês  o que era raro. Afinal, as irmãs também precisavam de um descanso nem que fosse por um final de semana.
Um dia, uma das colegas encontrando uma largatixa  resolveu aprisiona-la. Levando-a  ao grupo, resolvemos que pregaríamos uma peça em alguém. Tinha que ser uma pessoa muito chata, que merecesse ser “castigada” por nós, o que nos daria imenso prazer de ver passar por uma atitude ridícula. Quem seria a vítima? O animalzinho não poderia ficar por muito tempo preso... tínhamos que agir rápido. A ação deveria então ser naquela noite em que todas as internas estivessem na sala de estudos, em silêncio, cada uma cuidando de suas tarefas  e a irmã tomando conta na frente assentada à uma mesa sobre um estrado pequeno de madeira que mal dava espaço para as duas peças. Para nossa sorte a irmã que ocupava esse lugar naquele dia era uma das mais aporrinhadoras.
Num dado momento a líder do grupo fez um sinal e nos levantamos todas  e fomos até à mesa conversar com a irmã a título de pedir ajuda para alguma tarefa. Nessa hora a colega abriu a caixinha atrás da irmã e a largatixa pulou e tentando se esconder, enfiou-se no meio de tanto pano que compõe o hábito das freiras. Sentindo-se solta, a bichinha começou correr e se atrapalhar no meio das capas e a irmã desesperada se debatia e pulava. A coitada  teria caído do estrado, se não estivéssemos perto para socorrê-la. Foi uma situação hilariante e ainda tiramos onda de heroínas ao salvarmos  a inocente irmã.
Não  conseguíamos  parar de rir; aquele riso abafado de quem não queria demonstrar falta de respeito. A irmã tentou naturalidade  mas, a situação ficou insustentável. Abrimos às gargalhadas.
 Ao sairmos dali, fomos para  a capela rezar o terço. Local exato para o “capetinha” insuflar o mal. Bastou que uma começasse a rir para as outras a seguissem. Ninguém mais rezava, eram só os roncos abafados dos risos presos. Algumas meninas não puderam se   conter  e fizeram  xixi nas calças...
 Ninguém percebeu a trama... a travessura ficou na história do internato por muito tempo. O bom é que ninguém soube de onde saiu a tal lagartixinha!  

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