A lembrança da primeira professora para a maioria das pessoas é
algo que enche o coração de ternura e saudade. Ela é aquela pessoa que preenche
o vazio deixado pela ausência dos cuidados e carinho maternais, é quem assume
com muito amor a tarefa difícil de tornar agradável a adaptação da
criança em seu novo espaço. A experiência de se ver só, fora do ambiente
familiar, com estranhos, em nova realidade é para a criança uma mudança brusca
que desestrutura seu íntimo, sentindo-se abandonada, perdida, desamparada. Essa
criança precisa ter alguém maternal que a acolha, proteja e
sobretudo que a faça sentir-se amada.
Ao me encaminhar para a sala de aula, a primeira da minha vida,
enchi-me de esperanças. Sonhava encontrar ali o suprimento de toda carinho e
atenção que estava sentindo desde o dia em que chegara ao colégio no internato.
Meu coração estava quase a explodir de alegria a me ver numa sala de aula de
verdade com colegas, professora, os móveis adequados tudo aquilo que já fazia
parte do meu imaginário mas que não conhecia de fato. Toda essa expectativa
durou pouco.
Uma imensa avalanche de decepção caiu sobre mim depois que me
descobriram. Primeiro vieram as perguntas para sanar a curiosidade natural. Eu
de pé na frente sob o olhar atento e crítico das colegas tinha que responder a
muitas perguntas que eu nem sabia do que se tratava. Descobriram então que eu tinha
vindo da roça e que era uma caipira! Tive que suportar os risinhos e cochichos
maldosos...
Com os nervos à flor da pele, maltratada intimamente, humilhada,
fui submetida a um teste de avaliação, ali sem o menor preparo psicológico! Por
sorte do azar, nada do que eu sabia foi arguido. Todo o conhecimento que eu
tinha adquirido informalmente junto à minha mãe, era insuficiente para me
qualificar.
Lembro-me que a professora tinha me dado um giz para que eu
escrevesse no quadro negro uma frase para fazer a análise gramatical. Eu não
conhecia giz não sabia como usa-lo naquele quadro enorme. Não tinha noção
espacial porque só conhecia a louza, um quadro de uso individual onde escrevíamos com
um bastão da mesma pedra sobre o colo ou sobre a mesa. Essa minha
confusão gerou a pergunta: “você ao menos sabe escrever”? (ouvi risinhos
abafados...) Com toda timidez balancei a cabeça em sinal positivo. “Então
escreve!” Eu olhava para o giz, virava-o de um lado, do outro...nada. Eu não
sabia como escrever com aquilo. Até que uma
das colegas entrou para minha salvação: “professora, deixa eu escrever a frase
para ela?”
Nessa hora senti um tímido apoio, achei que aquela garota me
inspirava confiança e cumplicidade. Entreguei-lhe o giz. Com desenvoltura ela
escreveu no quadro a tal frase. Apesar do nervosismo, segui os seus movimentos,
entendi que o quadro tinha aquelas dimensões para que toda a sala
pudesse ler e as letras deveriam ser proporcionais, pela mesma razão. Agora com
o giz, a professora pediu-me que sublinhasse os verbos, passasse um círculo em
volta dos substantivos um X nos pronomes... e assim por diante... Tudo feito
achei que estava livre... Que nada! Agora veio o pior!
Mandou que apagasse o quadro e ditou alguns números, dividido
por... quando fiz um traço vertical de uns quarenta centímetros, as colegas
começaram a rir. (A chave que eu sabia fazer era composta de um traço vertical
e um horizontal partindo dos primeiros 10 cm. ). Ditou: dois, sete,
nove. Que maldade! Nunca havia feito uma divisão por três dígitos. Foi quando
vi que a professora queria mesmo era me aniquilar! Vi o seu sorriso de
satisfação e ouvi as gargalhadas das colegas diante da minha
ignorância.
Nessa hora ela mandou que eu pegasse minhas coisinhas e que saísse
da sala dela, ela não tinha tempo para perder ensinando fazer continhas e que
aquela sala não era para mim... Seu tom de voz estarrecedor meteu-me
medo! Constrangida, esmagada em meus profundos sentimentos, sob o olhar
crítico e debochado das colegas em gargalhadas, me encaminhei para a porta já
aberta. Lá estava ela com o braço
direito e o indicador estirados mostrando-me a saída. A porta ela gritou
para a professora do segundo ano: “essa menina não está apta para o terceiro
ano, vê se fica com ela, aqui ela não fica!”
Humilhada, com a autoestima lá em baixo, senti-me a última das
criaturas, precisava que alguém que me apoiasse, consolasse, mas de
quem? Senti-me isolada, estava sozinha... Era motivo de chacota, de
olhares debochados...
Experimentei todo o desprezo, humilhação e
solidão que uma garotinha ingênua poderia sentir... Na verdade, só o fato de
ser novata no colégio, não ter amigas e nem apoio, era para mim como se
estivesse num isolamento total... foram os minutos mais longos da minha
vida...eu queria sumir...voltar correndo para os braços de Mamãe...sentir o seu
carinho, sua proteção!
Não havia me preparado para uma situação como
aquela! Foi constrangedor!
Hoje quando se falam em bullying, reporto a este dia fatídico em
que fui agredida moral e psicologicamente, motivando talvez a grande
dificuldade que sempre carreguei com a matemática.
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