quarta-feira, 11 de julho de 2012

O BULLYING




A lembrança da primeira professora para a maioria das pessoas é algo que enche o coração de ternura e saudade. Ela é aquela pessoa que preenche o vazio deixado pela ausência dos cuidados e carinho maternais, é quem assume com  muito amor a tarefa difícil de tornar agradável a adaptação da criança em seu novo espaço. A experiência de se ver só, fora do ambiente familiar, com estranhos, em nova realidade é para a criança uma mudança brusca que desestrutura seu íntimo, sentindo-se abandonada, perdida, desamparada. Essa criança precisa ter alguém maternal que a  acolha,  proteja e sobretudo que a faça sentir-se amada. 


Ao me encaminhar para a sala de aula, a primeira da minha vida, enchi-me de esperanças. Sonhava encontrar ali o suprimento de toda carinho e atenção que estava sentindo desde o dia em que chegara ao colégio no internato. Meu coração estava quase a explodir de alegria a me ver numa sala de aula de verdade com colegas, professora, os móveis adequados tudo aquilo que já fazia parte do meu imaginário mas que não conhecia de fato. Toda essa expectativa durou pouco. 

Uma imensa avalanche de decepção caiu sobre mim depois que me descobriram. Primeiro vieram as perguntas para sanar a curiosidade natural. Eu de pé na frente sob o olhar atento e crítico das colegas tinha que responder a muitas perguntas que eu nem sabia do que se tratava. Descobriram então que eu tinha vindo da roça e que era uma caipira! Tive que suportar os risinhos e cochichos maldosos... 

Com os nervos à flor da pele, maltratada intimamente, humilhada, fui submetida a um teste de avaliação, ali sem o menor preparo psicológico! Por sorte do azar, nada do que eu sabia foi arguido. Todo o conhecimento que eu tinha adquirido informalmente junto à minha mãe, era insuficiente para me qualificar.


Lembro-me que a professora tinha me dado um giz para que eu escrevesse no quadro negro uma frase para fazer a análise gramatical. Eu não conhecia giz não sabia como usa-lo naquele quadro enorme. Não tinha noção espacial porque só conhecia a louza, um quadro de uso individual onde  escrevíamos  com um  bastão da mesma pedra sobre o colo ou sobre a mesa. Essa  minha confusão gerou a pergunta: “você ao menos sabe escrever”? (ouvi risinhos abafados...) Com toda timidez balancei a cabeça em sinal positivo. “Então escreve!” Eu olhava para o giz, virava-o de um lado, do outro...nada. Eu não sabia como escrever com aquilo. Até que uma das colegas entrou para minha salvação: “professora, deixa eu escrever a frase para ela?”  


Nessa hora senti um tímido apoio, achei que aquela garota me inspirava confiança e cumplicidade. Entreguei-lhe o giz. Com desenvoltura ela escreveu no quadro a tal frase. Apesar do nervosismo, segui os seus movimentos, entendi que o quadro tinha aquelas dimensões  para que toda a sala pudesse ler e as letras deveriam ser proporcionais, pela mesma razão. Agora com o giz, a professora pediu-me que sublinhasse os verbos, passasse um círculo em volta dos substantivos um X nos pronomes... e assim por diante... Tudo feito achei que estava livre... Que nada! Agora veio o pior! 

Mandou que apagasse o quadro e ditou alguns números, dividido por... quando fiz um traço vertical de uns quarenta centímetros, as colegas começaram a rir. (A chave que eu sabia fazer era composta de um traço vertical e um horizontal partindo  dos primeiros 10 cm. ). Ditou: dois, sete, nove. Que maldade! Nunca havia feito uma divisão por três dígitos. Foi quando vi que a professora queria mesmo era me aniquilar! Vi  o seu sorriso de satisfação  e ouvi as gargalhadas  das colegas diante da minha  ignorância. 

Nessa hora ela mandou que eu pegasse minhas coisinhas e que saísse da sala dela, ela não tinha tempo para perder ensinando fazer continhas e que aquela sala não era para mim... Seu tom de voz estarrecedor  meteu-me medo! Constrangida, esmagada em meus profundos sentimentos,  sob o olhar crítico e debochado das colegas em gargalhadas, me encaminhei para a porta já aberta. Lá estava  ela com o braço direito e o indicador estirados mostrando-me a saída. A porta  ela gritou para a professora do segundo ano: “essa menina não está apta para o terceiro ano, vê se fica com ela, aqui ela não fica!”


Humilhada, com a autoestima lá em baixo, senti-me a última das criaturas, precisava que alguém que me  apoiasse, consolasse, mas de quem? Senti-me isolada, estava sozinha... Era motivo de chacota, de olhares debochados...

Experimentei todo o desprezo, humilhação e solidão que uma garotinha ingênua poderia sentir... Na verdade, só o fato de ser novata no colégio, não ter amigas e nem apoio, era para mim como se estivesse num isolamento total... foram os minutos mais longos da minha vida...eu queria sumir...voltar correndo para os braços de Mamãe...sentir o seu carinho, sua proteção!  
Não havia me preparado para uma situação como aquela! Foi constrangedor!

Hoje quando se falam em bullying, reporto a este dia fatídico em que fui agredida  moral e psicologicamente, motivando talvez a grande dificuldade que sempre carreguei com a matemática.




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