segunda-feira, 23 de julho de 2012

DEPOIS DA TEMPESTADE, A BONANÇA


Aquele longínquo e fatídico dia da minha infância jamais foi esquecido.
O bullying moral  sofrido no primeiro dia de aula na minha recém-chegada ao internato, a humilhação por descer tão baixo no conceito daquelas pessoas, baixou a minha autoestima a níveis desprezíveis. Aquela mulher imensa, a quem atribuíam o título de professora, vestida de amarelo que mais parecia uma manga madura... aquelas risadas sarcásticas, estridentes... aquele momento de extrema solidão e nostalgia, causaram-me desarranjo interno, fogueamento no rosto, bambeza nas pernas... senti que algo dentro de mim pedia urgentemente para ser posto para fora! Jamais havia passado por situação semelhante! Nunca havia sentido tamanho desconforto... minha primeira lembrança naquele momento, foi minha mãe, a quem recorria sempre nas situações  complicadas, mas ela não estava ali...
No momento seguinte, que para mim, pareciam horas,  dei-me conta de que estava em outra sala de aula agora com outra professora, uma irmã, linda, sorridente, carinhosa que percebendo meu constrangimento levou-me até ao banheiro. Sentei-me no vaso, desfiz do incômodo e chorei... desabei no choro convulso que me doía o peito! Sentimentos exacerbados, confusos, experimentei naqueles minutos... raiva, ódio, rancor, desespero, medo, nostalgia, solidão e... saudades... muitas saudades... vontade de voltar para casa, para a fazenda para minha vidinha pacata sem ter que me defender para sobreviver ali naquele lugar horrível!Naquele momento precisava urgentemente de proteção, carinho... Em segundos percebi que eu tinha que crescer, resolver meus problemas imediatos, não havia ali ninguém por mim!
Extremamente sofrida e entregue aos meus sentimentos confusos, despertei para a realidade quando uma voz doce me chama pelo  nome. Neste momento parei de chorar, procurei me recompor, lavei o rosto. Quem me chamava era aquela irmã, a doce Irmã Maria do Sacrário,  a mesma que seria  minha professora! Pegou-me pela mão, assentou comigo em um banco do pátio e conversamos.
Mais calma, contei lhe o que havia acontecido  na sala ao lado quando fora enxotada porque não sabia fazer uma continha de dividir por três dígitos.
Percebi que ela ficou indignada com atitude antipedagógica da professora que incitou as alunas no que hoje chamamos bullying. Depois levou-me para a nova sala, apresentou-me para novas  colegas, levou-me até minha carteira onde iria assentar com outra aluna a Margarida. Grande Margarida!
Desta vez fui muito bem acolhida, minha coleguinha deu-me algumas instruções de como deveria me comportar no internato,  desenvolver o habito da autodefesa , para não ser passada “para traz.” Dividíamos a merenda, quando tínhamos, nos ajudávamos nos deveres de casa e nos defendíamos mutuamente das agressões de alunas maiores cheias de alto conceito de si mesmas.  
Nesses ambientes de reclusão a carência afetiva se confunde com o  instinto de sobrevivência gerando atitudes egoístas e violentas. Não raro se verem desentendimentos só para “marcar território” onde o mais fraco sempre cede para o mais forte, compreendendo humilhado, a sua real situação. No meu colégio não era diferente... Havia muita disputa!
Atrasei um ano no meu currículo escolar, em compensação ganhei  em conforto moral, ambiente, acolhimento e satisfação pessoal. Para mim era como se tivesse escapado do inferno e passado para o céu. Aos poucos fui aprendendo a viver, a me fazer respeitada sem apelar para violência, ou ignorância. Foram dez anos que apesar de tudo, valeram a pena!

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