Aquele longínquo e fatídico dia da minha infância
jamais foi esquecido.
O bullying moral sofrido no primeiro dia de aula na minha recém-chegada
ao internato, a humilhação por descer tão baixo no conceito daquelas pessoas,
baixou a minha autoestima a níveis desprezíveis. Aquela mulher imensa, a quem
atribuíam o título de professora, vestida de amarelo que mais parecia uma manga
madura... aquelas risadas sarcásticas, estridentes... aquele momento de extrema
solidão e nostalgia, causaram-me desarranjo interno, fogueamento no rosto,
bambeza nas pernas... senti que algo dentro de mim pedia urgentemente para ser
posto para fora! Jamais havia passado por situação semelhante! Nunca havia
sentido tamanho desconforto... minha primeira lembrança naquele momento, foi
minha mãe, a quem recorria sempre nas situações
complicadas, mas ela não estava ali...
No momento seguinte, que para mim, pareciam horas, dei-me conta de que estava em outra sala de
aula agora com outra professora, uma irmã, linda, sorridente, carinhosa que
percebendo meu constrangimento levou-me até ao banheiro. Sentei-me no vaso,
desfiz do incômodo e chorei... desabei no choro convulso que me doía o peito! Sentimentos
exacerbados, confusos, experimentei naqueles minutos... raiva, ódio, rancor,
desespero, medo, nostalgia, solidão e... saudades... muitas saudades... vontade
de voltar para casa, para a fazenda para minha vidinha pacata sem ter que me
defender para sobreviver ali naquele lugar horrível!Naquele momento precisava
urgentemente de proteção, carinho... Em segundos percebi que eu tinha que
crescer, resolver meus problemas imediatos, não havia ali ninguém por mim!
Extremamente sofrida e entregue aos meus sentimentos
confusos, despertei para a realidade quando uma voz doce me chama pelo nome. Neste momento parei de chorar, procurei
me recompor, lavei o rosto. Quem me chamava era aquela irmã, a doce Irmã Maria
do Sacrário, a mesma que seria minha professora! Pegou-me pela mão, assentou
comigo em um banco do pátio e conversamos.
Mais calma, contei lhe o que havia acontecido na sala ao lado quando fora enxotada porque
não sabia fazer uma continha de dividir por três dígitos.
Percebi que ela ficou indignada com atitude
antipedagógica da professora que incitou as alunas no que hoje chamamos
bullying. Depois levou-me para a nova sala, apresentou-me para novas colegas, levou-me até minha carteira onde iria
assentar com outra aluna a Margarida. Grande Margarida!
Desta vez fui muito bem acolhida, minha coleguinha
deu-me algumas instruções de como deveria me comportar no internato, desenvolver o habito da autodefesa , para não
ser passada “para traz.” Dividíamos a merenda, quando tínhamos, nos ajudávamos
nos deveres de casa e nos defendíamos mutuamente das agressões de alunas
maiores cheias de alto conceito de si mesmas.
Nesses ambientes de reclusão a carência afetiva se
confunde com o instinto de sobrevivência
gerando atitudes egoístas e violentas. Não raro se verem desentendimentos só
para “marcar território” onde o mais fraco sempre cede para o mais forte,
compreendendo humilhado, a sua real situação. No meu colégio não era
diferente... Havia muita disputa!
Atrasei um ano no meu currículo escolar, em compensação
ganhei em conforto moral, ambiente,
acolhimento e satisfação pessoal. Para mim era como se tivesse escapado do
inferno e passado para o céu. Aos poucos fui aprendendo a viver, a me fazer
respeitada sem apelar para violência, ou ignorância. Foram dez anos que apesar
de tudo, valeram a pena!
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